essa
noite vi dois personagens ilustres
da
poesia brasileira:
do
outro lado da rua
estava
o homem revirando o lixo,
de
Manuel Bandeira.
e do
lado do amontoado de sacos de plástico pretos
despejados
pela lanchonete da esquina,
havia
um alto prédio sendo erguido.
lá em
baixo, revirando o cimento,
o
operário em construção,
de
Vinícius de Moraes.
lado a
lado,
sem se perceberem,
estavam
o homem
devorando o lixo
e o
homem revolvendo o cimento.
da
sacada do Goethe-Institut
eu
podia ver tudo.
o
primeiro homem termina sua refeição
e cata
um jornal em outro saco,
abre,
dá uma olhada rápida,
e limpa
as mãos.
o homem
do cimento
ainda
não terminou seu turno
- não
observei se usava luvas.
continuo
fumando meu cigarro
-
revolver poesia não suja as mãos.
a
fumaça entra carregada de uma estranha tristeza
nos
meus pulmões
- como
poderia o operário dizer “não”?
não há
lixo para todos.
es gibt keinen Müll für alle.
“Arbeit
macht frei”
nos campos
de Auschwitz
quem
poderia dizer “nein”?
eles
caminham em silêncio para a morte,
enquanto
eu aprendo a dizer o intolerável
em
várias línguas:
soziale Ungleichheiten.
a impossibilidade
da poesia.
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