Ouço
Belchior na voz de uma mulher
Ando em
busca de alguma poesia
(agora
quero abraçar Daíra)
As ruas
estão mais cinzas
As
páginas dos meus cadernos
cada
vez mais vazias
Não tem
previsão de chuva
para os
próximos dias
[tampouco
tem sol]
Nada
para lavar meus olhos
como se
fossem lágrimas,
sem
sê-las.
A
garganta seca
A
palavra anda um bocado estrangulada
Não só
ela.
Quero
abraçar todo mundo
que carrega
esse estrangulamento no peito
Mas só
abraço o travesseiro
Tem
sido difícil atravessar o batente da porta
As
janelas do Windows
atiram corpos
numa vala
bem no
meio da minha sala
(Nosso
sangue ficou verde e amarelo
de
repente)
O chão
do apartamento já está cheio
Difícil
ir até a cozinha beber um copo d’água
Estão
caindo do teto sobre a minha cabeça agora
Tenho
muito medo de ficar soterrada
Um
corpo entre corpos
Falta
de ar
Se eu
acender uma vela agora,
o oxigênio
acaba?
Sinto
vontade de rezar
Mas pra
que Deus, meu Deus?
E com
essa garganta atada?
Durmo
abraçada aos meus mortos
Tenho
muitos travesseiros
Nenhuma
oração, nenhum poema, nada
Só esse
abraço caloroso num corpo frio
Hoje
neva sobre o Rio
E já
não tenho botas para andar no gelo
Hoje a
primavera disse
que só
chega depois
de
depois de depois de amanhã
- e
sabe-se lá quando é isso!
E eu
ainda rastejo pelos canteiros
em busca
daquela florzinha
pequenina,
delicada,
um
quase nada rente ao chão
- uma corzinha
qualquer –
que em
Copenhague eu chamava
de esperança.
Vejo a
marca de uma bota
Esmagada,
não era
uma flor.
Não
quero esquecer meu sorriso no bolso
como tudo
o que se estraçalha sem querer
na máquina
de lavar.
Escrevo
bilhetes para mim mesma
pela casa
inteira:
“Não
esqueça seu sorriso”.
Mas tá
difícil!
A
humanidade hoje sofre de um Alzheimer coletivo.
É como
a tia Didi: vai morrer sem nem saber
- será
que isso é um alívio?
Eu não
quero esquecer, não quero esquecer!
“Não
esqueça seu sorriso” – leio pela casa inteira.
Mas o
que significa isso?
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