13 de abr. de 2015

DISFARCE

não precisa mais pular as janelas
como um salteador barato.
agora as portas estão abertas
e você simplesmente passa...
talvez já tenha até mesmo esquecido
a dor de atravessar as paredes
e o cheiro dos encanamentos enferrujados
em que a gente se enroscava.

guarda a sua loucura
numa caixa,
num cofre atrás do quadro,
tranca no armário,
nas gavetas,
no porta-malas do carro,
deixa a sua loucura de castigo
fechada no quarto,
engole a chave
e aguenta o peso do ferro no estômago.
(seu estômago já aguentou coisas piores, não é mesmo?)
mantenha a sua loucura bem segura
nesse potinho hermeticamente lacrado.

não se lembre de como era bom de um salto flagrar
um disco na vitrola, uma droga, um strip-tease,
de um salto a noite tirando seu vestidinho preto,
e a gente barrando a penetração do sol
com nossos óculos escuros e um doce desprezo.
nem lembre que toda janela saltada guardava surpresas.
e de como nos sentíamos super-heróis ao atravessar paredes.

esconda seus superpoderes,
se disfarce.
do outro lado da porta
são impiedosos com quem voa.

e é por isso que eu abro a caixa, o cofre, o armário, as gavetas, o porta-malas, o quarto e o potinho hermeticamente fechado.
ainda prefiro o cheiro dos canos enferrujados.

12 de abr. de 2015

BUNKER

tem uma boneca inflável convidando ao boquete
ornamentando o palco vazio

e o banco no fundo do bar que sempre me aguarda
como um esconderijo antibombas

eu e a garrafa de long neck nos fazemos companhia

o show não vai começar
o show já vai começar
não vai

aquela meia dúzia parada lá na frente fica olhando para o palco desabitado
- será que já enxergam algo?

tem essas duas meninas que ficam ali se revezando no balcão
fazendo pose para o celular
- já podem postar e seguir pra outro lugar!

tem esse PM chamado Rocha que faz a ronda noturna
e quer alguma coisa do dono do bar – o que será?
mas isso é só mais tarde.

agora,
sou eu fugindo
com os meus cigarros pela escada de incêndio
e com os meus incêndios pelo gargalo.

tem os que vão de dose dupla de caipirinha ou cuba
e permanecem bem dosados.

tem esses rocks que não me saem mais da cabeça,
e eu dançando enlouquecidamente entre as estátuas de pedra.

depois, [...]
tem o silêncio e o que eu não digo.

eu tenho sempre a sensação do perigo.
meu bunker no fim do salão,
as escadas de incêndio,
os incêndios,
uma marreta na mão destruindo as estátuas,
aquele riso no canto da boca de só quem entendeu a piada
desprezando a gargalhada de quem nunca entende nada.

por fim,
planejo ataques à geladeira do bar e à sua boca,
mas fico só com a saideira.