In. Esfinge, 2010

SOLIDÃO
para Tavinho Paes e Juliana Hollanda

solidão não é salto do parapeito
nem é estilete
não é desespero


a solidão é calma,
silenciosa,
discreta,
não deixa marcas


a solidão pode ser apenas
uma porta aberta
por onde ninguém passa


ENTRE SEM BATER 
para Juliana Hollanda

ter a chave
e não saber que porta ela abre
ou ter a porta aberta
e ninguém pra passar por ela
são dores da mesma natureza
atravessar a parede
é uma dor incomparável
atravessar a parede
é para poucos


BAGANA NA CHUVA
de/para Mário Bortolotto

ele costumava olhar os pássaros
o retrato de uma garota e um estilete que não ia usar
caiaques no céu
baganas atiradas em poças d’água
gotas de chuva com gosto de pepsi-cola
ele nunca conseguia chegar em casa
era preciso pegar uma mulher e fugir pra algum lugar
um lugar onde não se ouvisse falar de amor
onde ninguém soubesse tocar saxofone
mas ele apenas tomava conhaque na janela ouvindo blues
(música é melhor que saber o caminho de volta pra casa)

FIM DE FESTA

“vai ter uma festa / que eu vou dançar / até o sapato pedir pra parar / 
aí eu paro / tiro o sapato / e danço o resto da vida” (Chacal)

queria tirar o sapato e dançar o resto da vida
mas a festa acabou e há cacos quebrados no chão
o pé vacila e se mantém sobre os saltos
o pé hesita e não se solta nos passos
o pé fica atrás

chego a fechar os olhos
pra me deixar levar no seu ritmo
mas a luz acendeu e de repente ficou tudo tão claro!
olhos claros de mágoa a se espiar desconfiados
meu olhar borrado de lápis e rímel e lágrima

a música parou de tocar e teu sussurro é um berro
um brado desesperado de amor
que me faz dançar com os pés do ouvido

se nenhuma música mais tocar pra gente dançar
você dança um poema comigo?