PARTE 1 - VANDALISMO POÉTICO
DEPOIMENTO DE UM RECENTE PRESO POLÍTICO EM
SUA DEFESA:
Sr. representante do
Estado,
as nossas pedras
não são desacato
apenas as estamos
tirando
do sapato.
CONDENADO MORADOR DE RUA PRESO COM PRODUTOS
DE LIMPEZA: 5 ANOS DE RECLUSÃO
para Rafael Braga Vieira
atenção:
recolham todas as
garrafas de Pinho Sol
das prateleiras do
mercado.
é questão de
segurança nacional!
recolham também água
sanitária, detergente,
todas as marcas de
sabão em pó,
Omo cores e Omo
multiação.
removam as
vassouras, os paninhos,
sabão em barra e
sabão em pasta,
tudo o que é produto
de limpeza.
tem um sabonete nas
suas mãos?
- tá preso!
- por quê?!
- posse de material
explosivo.
- mas eu precisava
lavar as mãos...
- a mando de quem?
- não sei, eu só...
todo mundo lava as mãos!
- hummm... formação
de quadrilha. quem é o líder?
- hã?
- quem é que manda?
- ora, os pais...
desde criança que...
- ahá, corrupção de
menores!
viu só que perigo?
deu na Veja: Veja
multiuso tá proibido!
não se pode deixar
ninguém andar por aí
com material de
limpeza.
A SUJEIRA TÁ
LIBERADA.
[melhor providenciar
explosivos]
PARTE 2 - OCUPA CORAÇÃO
CENA 1
Por decisão judicial, será realizada a reintegração de posse do meu coração.
(sim, houve danos ao patrimônio)
A desocupação deverá ser pacífica, a menos que haja resistência.
Por decisão judicial, será realizada a reintegração de posse do meu coração.
(sim, houve danos ao patrimônio)
A desocupação deverá ser pacífica, a menos que haja resistência.
(corações resistem sempre)
CENA 6
Meu coração está
sendo investigado, está sofrendo perseguição, O Globo já noticiou que ele é
financiado por músicas bregas e poemas de amor.
CENA 7
PARTE 3 - VELHAS FOTOS AMARELADAS
tem esses caras
escorados no meu ombro
tropeçando pernas, chutando pedras
alimentando com as mãos
algumas feras
eles me alimentam
pondo o dedo na ferida
pra cavar mais fundo...
– “meninos não choram num quarto de hotel
ouvindo uma balada triste...”
– eu nunca soube nada de meninos –
mas tem esses caras
e essas músicas...
essas músicas repetidas
arranhando o peito...
um poema na ponta
do isqueiro
– sei alguma coisa sobre isso –
a gente não vai virar o disco
– “a gente aguenta a próxima dose, baby.”
a gente calçou o coração
com luvas de boxe
e os nossos pés
VALE-BRINDE
ninguém nunca me
disse
que a felicidade não
vinha
em um vale-brinde
dos pacotinhos de
biscoitos da Elma Chips
- crec crec crec e
nada -
e que a
probabilidade muito mas muito maior
era da gente ser
assim meio triste
esse jeito de andar
distraído
com bilhetes
premiados nos bolsos
sem conferir os
números
UMA ESTRELA RISCA O BREU DA NOITE
para Laura Cravo
ela invade a minha
noite
com o sol entre os
dentes
seus olhos de
girassol
e delicados pés de
nuvem
dançando no meu
coração
até esqueço de atear
fogo
no posto de gasolina
dos meus planos de
fuga
das bombas caseiras
que fiz
pra vender como
doces
nas portas dos bares
eu a levo para
passear
na minha tempestade
ela me ensina a
abocanhar o sol
pra fazer dele
sorriso
nos sentamos no
meio-fio
para admirar a
velocidade dos carros
fatiando horizontes
entre um carro e
outro
meus doces
explosivos
pipocam no asfalto
como fogos de
artifício
ela me ensinou a
explodir coisas
sem raiva e sem medo
só porque é bonito
em agradecimento,
eu lhe dei um punhado
de pólvora
a noite pretende
amanhecer na nossa esquina
uma lágrima risca a
madrugada
o posto de gasolina
está vazio
e não será
incendiado
ela vai embora
cantando Summertime
don't you cry don't
you cry
há sempre uma canção
bonita
para as despedidas.
LOONEY TUNES
Levo uma rajada de tiros e não cambaleio e não caio,
só bebo um copo
d’água e fico lá
vazando pelos buracos da barriga.
O trator passa por cima de mim,
e eu fiozinho de papel assopro o dedão
e me encho de volta.
Não adianta, baby.
Pode vir com seus explosivos.
Desenhos animados nunca morrem.