In. As guerras nos porta-retratos, 2014

PARTE 1 - VANDALISMO POÉTICO

DEPOIMENTO DE UM RECENTE PRESO POLÍTICO EM SUA DEFESA:

Sr. representante do Estado,

as nossas pedras
não são desacato
apenas as estamos
tirando
do sapato.

CONDENADO MORADOR DE RUA PRESO COM PRODUTOS DE LIMPEZA: 5 ANOS DE RECLUSÃO
para Rafael Braga Vieira

atenção:
recolham todas as garrafas de Pinho Sol
das prateleiras do mercado.
é questão de segurança nacional!

recolham também água sanitária, detergente,
todas as marcas de sabão em pó,
Omo cores e Omo multiação.

removam as vassouras, os paninhos,
sabão em barra e sabão em pasta,
tudo o que é produto de limpeza.

tem um sabonete nas suas mãos?

- tá preso!
- por quê?!
- posse de material explosivo.
- mas eu precisava lavar as mãos...
- a mando de quem?
- não sei, eu só... todo mundo lava as mãos!
- hummm... formação de quadrilha. quem é o líder?
- hã?
- quem é que manda?
- ora, os pais... desde criança que...
- ahá, corrupção de menores!

viu só que perigo?
deu na Veja: Veja multiuso tá proibido!

não se pode deixar ninguém andar por aí
com material de limpeza.

A SUJEIRA TÁ LIBERADA.

[melhor providenciar explosivos]

PARTE 2 - OCUPA CORAÇÃO

CENA 1

Por decisão judicial, será realizada a reintegração de posse do meu coração.
(sim, houve danos ao patrimônio)
A desocupação deverá ser pacífica, a menos que haja resistência.
(corações resistem sempre) 

CENA 6

Meu coração está sendo investigado, está sofrendo perseguição, O Globo já noticiou que ele é financiado por músicas bregas e poemas de amor.

CENA 7

Meu coração foi flagrado num ato de vandalismo, ali, batendo. Por você.

PARTE 3 - VELHAS FOTOS AMARELADAS

ESSES CARAS

tem esses caras
escorados no meu ombro
tropeçando pernas, chutando pedras
alimentando com as mãos
algumas feras
eles me alimentam
pondo o dedo na ferida
pra cavar mais fundo...
– “meninos não choram num quarto de hotel
ouvindo uma balada triste...”
– eu nunca soube nada de meninos –
mas tem esses caras
e essas músicas...
essas músicas repetidas
arranhando o peito...
um poema na ponta
do isqueiro
– sei alguma coisa sobre isso –
a gente não vai virar o disco
– “a gente aguenta a próxima dose, baby.”
a gente calçou o coração
com luvas de boxe
e os nossos pés
de precipícios


VALE-BRINDE

ninguém nunca me disse
que a felicidade não vinha
em um vale-brinde
dos pacotinhos de biscoitos da Elma Chips
- crec crec crec e nada -
e que a probabilidade muito mas muito maior
era da gente ser assim meio triste
esse jeito de andar distraído
com bilhetes premiados nos bolsos
sem conferir os números
da loteria


UMA ESTRELA RISCA O BREU DA NOITE
para Laura Cravo

ela invade a minha noite
com o sol entre os dentes
seus olhos de girassol
e delicados pés de nuvem
dançando no meu coração

até esqueço de atear fogo
no posto de gasolina
dos meus planos de fuga
das bombas caseiras que fiz
pra vender como doces
nas portas dos bares

eu a levo para passear
na minha tempestade

ela me ensina a abocanhar o sol
pra fazer dele sorriso

nos sentamos no meio-fio
para admirar a velocidade dos carros
fatiando horizontes

entre um carro e outro
meus doces explosivos
pipocam no asfalto
como fogos de artifício

ela me ensinou a explodir coisas
sem raiva e sem medo
só porque é bonito

em agradecimento,
eu lhe dei um punhado de pólvora

a noite pretende amanhecer na nossa esquina
uma lágrima risca a madrugada
o posto de gasolina está vazio
e não será incendiado

ela vai embora cantando Summertime
don't you cry don't you cry

há sempre uma canção bonita
para as despedidas.

LOONEY TUNES

Eu pareço um desenho animado. 
Levo uma rajada de tiros e não cambaleio e não caio, 
só bebo um copo d’água e fico lá 
vazando pelos buracos da barriga. 
O trator passa por cima de mim, 
e eu fiozinho de papel assopro o dedão 
e me encho de volta. 
Não adianta, baby. 
Pode vir com seus explosivos. 
Desenhos animados nunca morrem.