12 de nov. de 2015

A (DES)RESPEITO DO TEMPO

Sinto na boca o gosto do atropelamento.
O tempo deveria ser multado por excesso de velocidade,
por avançar sinais vermelhos,
ultrapassar na linha contínua
e outras infrações de trânsito.
O tempo, sim, deveria ser parado na Lei Seca,
soprar sua embriaguez e ir preso.
O tempo é esse motorista grosseiro
que segue atrás de mim na estrada,
com a mão na buzina,
lançando o farol alto na minha cara.
Eu tenho um modo particular
de lidar com sujeitos desse tipo:
viro o retrovisor pro alto,
aumento o volume do rádio
e reduzo a velocidade.
E então esboço um leve sorriso
- por alguns segundos dominei o tempo.
O tempo está meu refém, e não o contrário.
O tempo andou apontando um revólver na minha cara,
e eu corri muito por medo do disparo.
Agora estou muito cansada,
e não cruzei nenhuma linha de chegada.
Vou parar de correr.
Vou me deitar no meio da estrada.
Vou olhar para o céu
- a gente nunca deveria deixar de olhar para o céu.
Andar no ritmo das nuvens,
e não no ritmo dos carros.
Assumir as formas fluidas das nuvens,
e virar coelho, chapéu, montanha,
um bombom sonho de valsa,
len...ta...men...te...
Já posso até sentir na boca um gosto de chocolate.
Virar chuva.
Um cheiro de terra molhada.
Já me esqueço do atropelamento
e permaneço deitada na estrada.
O asfalto quente vira grama, vira cama.
len...ta...men...te...
Eu viro gente.

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