11 de out. de 2018

O TÍTULO DO ÁLBUM


Ouço Belchior na voz de uma mulher
Ando em busca de alguma poesia
(agora quero abraçar Daíra)
As ruas estão mais cinzas
As páginas dos meus cadernos
cada vez mais vazias
Não tem previsão de chuva
para os próximos dias
[tampouco tem sol]
Nada para lavar meus olhos
como se fossem lágrimas,
sem sê-las.
A garganta seca
A palavra anda um bocado estrangulada
Não só ela.
Quero abraçar todo mundo
que carrega esse estrangulamento no peito
Mas só abraço o travesseiro
Tem sido difícil atravessar o batente da porta
As janelas do Windows
atiram corpos numa vala
bem no meio da minha sala
(Nosso sangue ficou verde e amarelo
de repente)
O chão do apartamento já está cheio
Difícil ir até a cozinha beber um copo d’água
Estão caindo do teto sobre a minha cabeça agora
Tenho muito medo de ficar soterrada
Um corpo entre corpos
Falta de ar
Se eu acender uma vela agora,
o oxigênio acaba?
Sinto vontade de rezar
Mas pra que Deus, meu Deus?
E com essa garganta atada?
Durmo abraçada aos meus mortos
Tenho muitos travesseiros
Nenhuma oração, nenhum poema, nada
Só esse abraço caloroso num corpo frio
Hoje neva sobre o Rio
E já não tenho botas para andar no gelo
Hoje a primavera disse
que só chega depois
de depois de depois de amanhã
- e sabe-se lá quando é isso!
E eu ainda rastejo pelos canteiros
em busca daquela florzinha
pequenina, delicada,
um quase nada rente ao chão
- uma corzinha qualquer –
que em Copenhague eu chamava
de esperança.
Vejo a marca de uma bota
Esmagada,
não era uma flor.
Não quero esquecer meu sorriso no bolso
como tudo o que se estraçalha sem querer
na máquina de lavar.
Escrevo bilhetes para mim mesma
pela casa inteira:
“Não esqueça seu sorriso”.
Mas tá difícil!
A humanidade hoje sofre de um Alzheimer coletivo.
É como a tia Didi: vai morrer sem nem saber
- será que isso é um alívio?
Eu não quero esquecer, não quero esquecer!
“Não esqueça seu sorriso” – leio pela casa inteira.
Mas o que significa isso?

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